sábado, 9 de outubro de 2010

Grupos e Comunidades no Judaísmo Palestino:






Os Saduceus
 
A designação dos saduceus está ligada ao nome de Sadoc ou Zadoque, nomeado sumo sacerdote pelo rei Salomão (1 Reis 2.35). Os sacerdotes do templo o consideravam seu antepassado e, portanto, eram descendentes dele. No projeto do futuro de Israel, do país e do santuário, relatado em Ezequiel 40-48 confia-se aos filhos de Sadoc o serviço sacerdotal (Ezequiel 40.46; 43.19; 44;15; 48.11). Mais tarde os “sadoquitas” desempenharam um papel determinante na reconstrução das comunidades pós-exílicas. Como eram os sacerdotes legítimos, exerceram o serviço do templo em Jerusalém.
Nas incursões do rei sírio Antíoco, os sadoquitas encontraram um fim inglório. Jazão, simpatizante dos gregos, usurpou o cargo de sumo sacerdote de seu irmão Onias, promovendo o helenismo. Mas a revolta macabaica deteve a crescente influência da helenização. Mais tarde os asmoneus assumiram o cargo de sumo sacerdote, apesar de não serem de origem sadoquita. Existiam ainda filhos de Sadoc que continuaram seu serviço sacerdotal no templo. Com o tempo, os asmoneus foram desenvolvendo relações com a aristocracia sacerdotal de Jerusalém. Por sua vez essa aristocracia sacerdotal passou a cooperar com o trono. Houve, portanto, uma acomodação. A partir daí, um grupo de sacerdotes observadores da Lei passou a se reunir ao redor do “Mestre da Justiça” - um sacerdote dotado por Deus com o dom do conhecimento profético – formando um grupo que zelava pelo estrito cumprimento das prescrições cultuais da Lei. Mas, esse zelo provocou conflitos com o sumo sacerdote dos asmoneus, fato este que levou esse grupo a se separar do templo de Jerusalém. Esse grupo dissidente construiu uma colônia à margem oeste do Mar Morto, onde formou a comunidade da Aliança sob a direção dos filhos de Sadoc, os sacerdotes que conservam a Aliança (1 QS V.2,9). Os sacerdotes que continuaram em Jerusalém se distinguiam-se desses sadoquitas, pois continuaram exercendo seus cargos no templo, entendendo-se com os asmoneus. Houve, portanto, uma divisão entre os sadoquitas: um grupo continuou em Jerusalém em acordo com os sumo sacerdotes asmoneus e outro grupo de zelosos cumpridores da Lei retiraram-se formando uma colônia monástica às margens do Mar Morto.
Esse grupo da aristocracia sacerdotal que permaneceu em Jerusalém deu origem aos saduceus, cujos membros em sua maioria ocupavam altos cargos sacerdotais e pertenciam à famílias importantes de Jerusalém. Nos seus cargos e posições, sentiam-se obrigados a agir com pragmatismo e a avaliar a situação política com realismo, adaptando-se à situação. Estavam dispostos a levar em conta os diversos interesses das facções do poder. Sob o governo de Salomé Alexandra, sua influência diminuiu bastante com a aceitação de escribas e fariseus no Sinédrio. Os saduceus ainda eram maioria, mas ponderavam as opiniões dos fariseus.
Os saduceus interpretavam a Lei ao pé da letra e não atribuíam à tradição oral, tão prestigiada pelos fariseus, o mesmo valor da palavra escrita. Entre os saduceus havia também alguns escribas dedicados ao estudo e interpretação da Lei. Como eram pragmáticos não acreditavam em ressurreição, anjos e demônios, contrariamente aos fariseus (Atos 23.8). Em Marcos 12.18-27, os saduceus formularam uma pergunta a Jesus sobre a “impossibilidade” da ressurreição.
Os saduceus velavam pela observância do sábado mais rigidamente que os fariseus, não aceitando casuísmos para enfraquecer o mandamento do sábado. Achavam que as sentenças penais deviam obedecer rigorosamente às prescrições da Lei. Assim, a pena de morte, sentenciada por tribunal judaico, deveria ser por apedrejamento.
Sob o governo dos asmoneus, os saduceus mostraram prudência e habilidade política. Essas aptidões lhe permitiram, também, no tempo de Herodes e dos procuradores romanos a obtenção de cargos importantes em Jerusalém, quando a escolha dos sumo sacerdotes, por estes governantes, provinha sempre do seu grupo. Eles reconheciam os governos e procuravam conter a crescente inimizade do povo contra os romanos. Eram adversários dos zelotes - incentivadores da resistência ativa - e, também, dos fariseus - contrários aos chefes políticos pagãos. No fundo os saduceus tinham poder e influência limitados. Eles tentaram impedir, sem sucesso, a revolta dos judeus contra os romanos que culminou com a destruição do templo e a queda de Jerusalém nos anos 70 d. C., quando ocorreu a morte e o fim dos saduceus.
Os Fariseus

  O início do movimento farisaico remonta ao tempo dos macabeus quando os judeus julgaram que era necessário lutar para defender a fé judaica contra a alienação helenística. Em 1 Macabeus 2.42, na Bíblia Católica, menciona-se uma reunião de israelitas fortes, corajosos e fiéis à Lei, os hassideus. Desses círculos, um grupo que se afastava do ambiente social, a fim de evitar o contato com toda a impureza, formaram a “Comunidade Santa de Deus”. Daí nasceram os fariseus. Eram um grupo de judeus, fiéis à Lei e sem objetivos políticos, mas somente impulsionados pelo zelo no cumprimento da Lei (1 Macabeus 7.13).
Após a restauração do culto ordinário e da vida conforme a Lei em Jerusalém, os fariseus afastaram-se dos asmoneus que desenvolviam uma política imperialista. A partir daí os fariseus desistiram de uma mudança política pela violência para, através de uma vida piedosa de jejum e oração, esperar uma futura transformação operada por Deus. Por isso, mais tarde, não colaboraram com os zelotes, quando estes se preparavam para uma revolta contra a ocupação romana.
Os fariseus formavam comunidades estáveis, nas quais era possível seguir rigorosamente as prescrições da Lei. A observância escrupulosa das prescrições do sábado, da purificação cultual e do dízimo tornou-se um dever essencial para todos os fariseus (Mateus 23.23). Para se purificar das impurezas eles se lavavam e aspergiam freqüentemente (Marcos 7.3,4; Lucas 11.38,42). Além disso, faziam jejum duas vezes por semana para orar pela salvação de Israel. Portanto, o fariseu da parábola não se vangloria, mas apenas menciona o que de fato faz (Lucas 18.12).
As comunidades farisaicas compunham-se de alguns sacerdotes, mas principalmente de leigos, artesãos e comerciantes, residentes na cidade e no campo, na Judéia e na Galiléia. Reuniam-se para as refeições comunitárias, onde podiam observar melhor os mandamentos da pureza (Cf Lucas 7.36; 11.37). Embora o número total de fariseus (mais de seis mil), fosse pouco expressivo em relação ao contingente geral dos judeus, sua influência era grande, devido, principalmente, aos escribas que dirigiam as comunidades farisaicas que estudavam a Lei de Moisés e discutiam a sua interpretação, desfrutando de grande prestígio entre o povo. Veneravam os túmulos dos profetas e cuidavam dos monumentos dos justos (Mateus 23.29). Os fariseus se afastavam das pessoas ignorantes da Lei e das que não a observavam, evitando relações com elas (João 7.49). Guardavam distância sobretudo dos publicanos e pecadores e considerava escandaloso que um judeu se sentasse à mesa com eles (Marcos 2.15,16; Lucas 15.2).
A pregação e as ações de Jesus encontraram a firme rejeição dos fariseus. Eles indagavam: Como poderia Jesus manter comunhão com publicanos e pecadores? (Lucas 7.39; 15.2). Porque infringia as prescrições do sábado? (Marcos 2.24; 3.2). E descuidar do mandamento da pureza? (Marcos 7.2,5). E não jejuava? (Lucas 5.33). Jesus acusa os fariseus de serem hipócritas, porque consideram o seguimento exterior da Lei (Mateus 23.23-26; Lucas 11.39-43 parte), mas não conhecem a pureza do coração. Mesmo que paguem religiosamente o dízimo, esquecem o amor de Deus e o Seu perdão para os que se arrependerem. Em virtude de sua vida piedosa, os fariseus mostravam-se muito autoconfiantes, desprezavam os perdidos e achavam que podiam reivindicar perante Deus a declaração de justos (Lucas 18.9).
No decurso da atuação pública de Jesus, houve freqüentes conflitos com os fariseus sobre o modo de entender as palavras da Lei e sua obrigatoriedade. Visto que Jesus contradizia firmemente a prática da Lei defendida pelos fariseus, eles decidiram condená-lo como infrator da Lei (Marcos 2.6,7; 3.6). E para isso tentavam conseguir alguma prova contra Ele (Marcos 12.13-17 parte).
Até a destruição de Jerusalém em 70 d.C. os fariseus possuíam uma importante influência no Sinédrio (Atos 5.34-40; 23.6-8). Quando cresceu o ódio do povo contra a dominação dos romanos, a ponto de levá-los novamente à revolta armada, os fariseus não mais conseguiram impedir o desastre. Muitos se juntaram aos insurrectos e morreram na guerra. Outros se contiveram e sobreviveram à catástrofe. Por isso o movimento farisaico conseguiu influenciar decididamente o caráter espiritual das sinagogas após 70 d.C. levando a sua doutrina ao reconhecimento geral dos judeus.
Os Zelotes
  
Quando o rei judeu Arquelau foi deposto no ano 6 d. C. os próprios romanos assumiram o governo da Judéia e ordenaram um censo de toda a população para poder elevar os impostos de acordo com o total de habitantes encontrado. Tal medida provocou indignação em alguns círculos judaicos, particularmente entre um certo grupo de fariseus que terminou se separando da comunidade farisaica, contrária à ação política específica, e passaram a recusar obediência aos romanos, por causa do seu zelo pela Lei. Esses “zelosos” (em grego zelotas) continuaram concordando com todas as opiniões doutrinárias dos fariseus, mas entendiam que quem reconhecia e pagava impostos ao imperador, infringia o primeiro mandamento que manda honrar somente a Deus. E diziam ao povo que pagar impostos aos romanos era sacrilégio e repugnante à Lei de Moisés.
Os zelotes se recusavam a se submeter ao imperador e a pagar-lhe impostos. Não tinham paciência para esperar pela transformação messiânica, mas queriam mudar o curso da história pelo seu próprio agir. Seu fundador foi Judas, o galileu, que no início do primeiro século atraiu o povo atrás de si (Atos 5.37). Além dele apareceram outros que se diziam profetas e levaram seus seguidores para o deserto (Atos 5.36; 21.38). Como não podiam enfrentar o poder militar dos romanos em batalha aberta, se escondiam nas encostas das montanhas judaicas de onde saíam, freqüentemente, para atacar as forças de ocupação, em assaltos. Achavam que a Lei devia ser obedecida, mesmo à custa da espada. Depois ganharam o nome de sicários, em virtude do formato da arma que usavam em seus assaltos, a “sica”.
Aos olhos dos romanos eles eram ladrões e bandidos e contra eles agiam com rigor e dureza. No entanto, entre a população da Palestina, eles encontravam um número crescente de partidários, visto que eram zelosos para com a Lei. Atiçavam a inimizade contra os pagãos e constantemente incentivavam sublevações contra os romanos. Barrabás, cujo nome significa “filho de rabi” e que é mencionado na Bíblia como: “preso com amotinadores, os quais em um tumulto, haviam cometido homicídio” (Marcos 15.7); “no cárcere por causa de uma sedição na cidade, e também por homicídio” (Lucas 23.19); e “salteador” (João 18.40), teria sido um dos líderes dos zelotes.
Havia entre os discípulos de Jesus, um antigo partidário dos zelotes conhecido por Simão, o zelote (Lucas 6.15; Atos 1.3). A pregação de Jesus se distinguia claramente das pretensões dos zelotes. O reino de Deus vem, sem o concurso da atividade humana, apenas pela ação de Deus (Marcos 4.26-29). Quando perguntado se era correto pagar impostos a César, Jesus não respondeu como os zelotes, mas disse que se devia “dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Lucas 20.25). Assim, Jesus não aprovou a pretensão dos zelotes de mudar a situação pela violência, forçando a vinda do Reino de Deus.
Finalmente, os zelotes foram a força motriz da guerra judaica, quando os romanos reagiram violentamente, saqueando Jerusalém e destruindo o templo, no ano 70, conforme fora profetizado por Jesus (Lucas 21.20-24). Com a destruição de Jerusalém e a posterior extinção dos grupos de resistência, que fugiram para o deserto, os zelotes encontraram um fim funesto.

BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. II séries. S. Paulo. Editora Paulinas, 2004.
LOHSE, Eduard. Contexto e ambiente do novo testamento. São Paulo: Paulinas, 2000.
 HORSLEY, Richard, A.; HANSON, John, S. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.

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